ME AJUDEM RÁPIDOOOO
Crise
Foi um neto que descobriu:
⎯ Tá nascendo cabelo no vô!
E, realmente, começara a nascer cabelo na careca do dr. Romualdo, sessenta e seis anos, recém-aposentado. Em poucas semanas a careca do dr. Romualdo estava coberta de cabelo novo. Qual era o segredo? Alguma poção mágica, dr. Romualdo?
⎯ Não, não. Não uso nada.
Outra coisa. O dr. Romualdo começou a mudar. Suas feições. Era difícil de descrever. Ele parecia que estava remoçando. Era isso.
⎯ É o cabelo – explicava o dr. Romualdo, afastando com a mão a mecha castanha que teimava em lhe cair sobre a testa,
Mas não era só o cabelo. As rugas estavam desaparecendo. A papada. De semana a semana o dr. Romualdo parecia ficar mais moço. Parecia estar remoçando um ano por dia. Dona Nena resolveu tomar uma atitude.
⎯ Pára, Romualdo.
⎯ Mas Nena. Eu não estou fazendo nada!
A questão era que dona Nena era dez anos mais moça do que o marido, mas ele agora parecia ter cinco anos menos do que ela. E no dia seguinte, seis. Depois sete. Em uma quinzena, dona Nena estava casada com um homem vinte anos mais moço. Pelo menos na aparência. Não ficava bem.
O filho, medido, não encontrava explicações para o fenômeno. A saúde do dr. Romualdo era perfeita. Aliás, ele nunca se sentira melhor. Recomeçara a fazer coisas que não fazia mais. Até pediu para entrar no time de futebol de salão do filho. Mas não durou muito no time. A média de idade dos jogadores era de quarenta anos. Ninguém agüentava o entusiasmo juvenil do dr. Romualdo na quadra. Como não podia ir atrás de mulheres na sua motocicleta – afinal, ainda era o respeitável dr. Romualdo, avô, jurista renomado –, descarregava o seu novo vigor dividindo bola. O neto mais velho subitamente ganhou um companheiro de sua idade, o próprio avô, que além de tudo era a sua cara. Espinhas e tudo. Mas a conversa entre os dois era difícil. A gíria do avô era antiga. Por mais que tentasse, ele não conseguia gostar do RPM. Paralamas, então, nem pensar. E certamente o neto não podia convidar o próprio avô para descolar umas gatas. Vantagem, mesmo, em fazer programa com o dr. Romualdo (“Me chama de Ro”, pedia ele) era que ele sempre pagava tudo.
A crise chegou ao auge no dia em que dona Nena chamou o marido e ele, distraído, folheando sua velha coleção do Tesouro da Juventude, respondeu: “Senhora?”. Foi convocada uma reunião familiar. O irmão do dr. Romualdo, três anos mais moço do que ele, pelo menos na certidão. O filho. A nora. Dona Nena. O advogado da família, pois tinham que pensar nas implicações legais do fenômeno. Afinal, se aquilo continuasse, em pouco tempo o dr. Romualdo... foi neste ponto da discussão que o filho fez um sinal, pedindo silêncio aos outros, e virou-se para o dr. Romualdo.
⎯ Papai...
⎯ Ahn?
⎯ Vai brincar na outra sala, vai.
Luís Fernando Veríssimo. O marido do doutor Pompeu. Porto Alegre, L&PM, 1987.

I – Interpretação:
1) Que fenômeno é narrado no texto?




2-3) O narrador afirma que começaram a ocorrer mudanças na aparência do dr. Romualdo, que parecia rejuvenescer um ano por dia. Responde:
a) Como dr. Romualdo tentava explicar isso?



b) A explicação dada pelo dr. Romualdo era convincente? Por quê?



4) Assinala a causa da reclamação de dona Nena em relação ao rejuvenescimento acelerado do marido.
( ) O fato de ela não gostar de homens cabeludos.
( ) A situação embaraçosa e vergonhosa na qual ela se viu envolvida.
( ) A dificuldade que ela tinha de se relacionar com pessoas de menos idade.
( ) O medo que ela tinha de ficar viúva.

5) Embora saíssem juntos e tivessem a mesma aparência, o que diferenciava o dr. Romualdo de seu neto?


6) Em algum momento do texto, dr. Romualdo parece preocupar-se com o que acontece consigo mesmo? Explica.